Este tipo de sentença não é comum. E não porque não existam moradores antissociais, mas porque nem sempre os síndicos se posicionam e é difícil juntar provas. E, muitas vezes, a situação se resolve antes de virar um processo judicial.
Segundo o advogado André Luiz Junqueira, do escritório Coelho, Junqueira & Roque Advogados, que representou o condomínio nessa ação, foram registrados apenas dez casos assim no Rio, na última década. No caso desta ação, de acordo com a sentença judicial, o proprietário e morador do imóvel fazia barulhos recorrentes a qualquer hora, ameaçava os funcionários e vizinhos verbalmente, usava a garagem e áreas comuns indevidamente, além de receber mendigos e criminosos em sua casa com frequência.
– Não é pela condição social, mas pelo que isso causava. Na ausência dele, alguns moradores de rua tentavam entrar no apartamento quando ele não estava. E houve outro episódio em que um traficante foi preso dentro de seu imóvel – conta o advogado do caso.
As constantes infrações aconteceram nos últimos dois anos, e a ação foi movida em 2018.
Segundo Junqueira, o morador foi advertido por alguns meses, inclusive com multa, mas nada mudou.
– Como os moradores tinha medo dele, ninguém quis testemunhar. Então, para a ação, foi feito um abaixo-assinado com a adesão de 13 dos 19 moradores, fora ele. Os outros seis estavam ausentes. Também juntamos provas, como as advertências e as imagens do circuito interno de TV.
NÃO É SÓ SER MALA
Antes de pensar em entrar comum a ação contra o vizinho que ouve música alta, Junqueira chama a atenção que há uma grande diferença entre ser incômodo e antissocial:
– O antissocial é aquele que gera grave incompatibilidade de convivência, aponto de os moradores pensarem em se mudar por causa dele. Se fosse uma ação isolada, mesmo sendo grave, caberia uma punição. Diferentemente de quando é frequente e oferece risco aos demais. Estas ações não devem ser feitas de forma leviana: é preciso ter cuidado.
– É aquele morador que ultrapassa todos os limites do aceitável, de forma que fique impossível a convivência, bem diferente do condômino mal-educado. O morador antissocial viola todas as regras, seja a convenção do condomínio, o regulamento interno e as demais leis extravagantes – reitera o advogado Gabriel Coelho, da administradora imobiliária Irigon. Coelho pondera que o assunto ainda é muito delicado, pois esbarra no direito de propriedade e em suas limitações. Porém, afirma, do ponto de vista de um melhor convívio pacifico entre os condôminos, ele acredita que o judiciário vai cada vez mais limitar o direito de propriedade em prol da coletividade.
PROVAS PARA A EXPULSÃO
Esclarecido que antissocial não é qualquer vizinho “mala”, mas sim aqueles nocivos de fato, quando houver uma situação destas o primeiro passo, segundo Junqueira, é reunir provas, até mesmo antes da notificação.
– Se é barulho, por exemplo, tenho que ter testemunhas. Se for agressão, fazer foto, filmar. Só registrar no livro de ocorrências é pouco, porque é a palavra de um contra a do ouro. Por isso, inclusive que muitos casos não vão para a frente – aconselha Coelho.
A partir dessa coleta de provas, o morador pode entrar em contato com o síndico para ver se realmente o comportamento está em desacordo. Aliás, é sempre melhor que o síndico tome a frente do processo para evitar conflitos diretos. Coelho, por sua vez, orienta que o condômino antissocial primeiramente seja advertido e, depois, sejam aplicadas as multas para tentar coibir as atitudes ilícitas. O próximo passo seria fazer uma assembleia para pôr em discussão as medidas que serão tomadas quanto a este morador.
– Como a assembleia não tem poder coercitivo de obrigar o condômino a se retirar da propriedade, o caminho correto será a ação judicial, buscando tutela jurisdicional para afastar este condômino do convívio coletivo – explica ele.
O também advogado Armando Miceli destaca que a expulsão não é regulada em lei e defende que os condomínios usem as notificações e multas em casos de infrações gerais, pois casos como o deste em Ipanema requerem medidas extremas, que devem sempre ser judiciais e precedidas da aprovação em assembleia.
– Ressalto que a expulsão não pode ser requerida para qualquer ato. Por exemplo, um morador que jogue, reiteradamente, uma pequena quantidade de lixo seco em área comum. Isso não é passível de expulsão. Já alguém que franqueie o acesso ao condomínio de pessoas que possam gerar danos às demais é passível de expulsão, e até com certa rapidez – analisa Miceli Os condomínios estão começando a derrubar o ditado “os incomodados que se mudem” ao punir quem gera problemas ao forçá-los a se mudar ou, pelo menos, a acessar com tais atitudes.
Nos casos em que o condomínio move uma ação para tirar um morador antissocial da convivência dos demais, o acusado pode permanecer no imóvel até que todos os recursos se esgotem. Ele também pode alugá-lo, se quiser. O direito ao imóvel é garantido por Lei e fica mantido – o que passa a ser vetada é a circulação e convivência nas áreas comuns.
– A expulsão não gera a perda da propriedade do imóvel, apenas o direito do condômino de entrar no condomínio e, consequentemente, no seu imóvel. Mas ele pode alugar, ceder e vender. Ele continuará com os direitos inerentes à propriedade, e também com os deveres, como pagar as cotas condominiais e demais despesas – afirma o advogado especialista em direito imobiliário Armando Miceli.
O também advogado André Luiz Junqueira esclarece, entretanto, que vai depender de cada caso. Se a Justiça entender que é uma situação grave, o acusado pode receber uma determinação judicial para sair imediatamente. Um caso lembrado por ele é de um casal em São Paulo que tentou se matar.
– Eles brigavam sempre, usavam facas. E quase todo dia tinha polícia batendo no condomínio. Nesse caso, eles foram afastados em 48 horas. Mas houve outro caso, aqui no Rio, em que a juíza proibiu um morador, que havia jogado spray de gengibre nos olhos do porteiro por duas vezes, de circular nas áreas comuns sob pena de multa. Depois disso, ele virou um santo. Na ação de expulsão do morador de Ipanema, Junqueira disse que, pouco antes da decisão final, ele vendeu o imóvel. Mas ainda caberiam recursos.
Fonte: O Globo, 17/11/2019
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